quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Relatos do Peru: o Congresso em Tarapoto e os acontecimentos em Bágua


Relatos do Peru: o Congresso em Tarapoto e os acontecimentos em Bágua

O Congresso Internacional de Medicina Tradicional, Interculturalidade e Saúde Mental que aconteceu em Tarapoto no Peru, abordou temas de profundo interesse para uma política sobre conhecimentos tradicionais Indígenas, e principalmente na busca de um melhor dialogo com os países da América latina.
Foi organizado pelo Takiwasi (casa do canto), é um centro de reabilitação de toxicômanos e de pesquisa sobre medicinas tradicionais. Fundado em 1992, na alta Amazônia peruana, tem como seu objetivo geral valorizar os recursos humanos e naturais das medicinas tradicionais elaborando uma verdadeira alternativa terapêutica.
O Congresso teve como proposta, o dialogo sobre as plantas tradicionais amazônicas suas utilizações rituais e terapêuticas com forte enfoque nas relações interculturais e na abordagem das questões pertinentes aos “xamas mestiços” (e /ou também conhecido como neo-xamanismo, onde não-indígenas são ‘legalizados’ nas praticas xamanicas) percebendo as potencialidades e a problemática destas praticas na valorização e reconhecimento da matriz indígena de transmissão e utilização deste conhecimentos.Voltado para dimensão espiritual e da utilização das plantas psicoativas que induzem a estados alterados da consciência, como técnicas alternativas de tratamento.
Há algumas décadas existem múltiplas experiências, de projetos interculturais entre médicos, curandeiros, iniciativas no campo terapêutico, educativo, acadêmico, de investigação. A diversidade e dispersão dessas práticas não permitem ter uma visibilidade adequada. E este evento possibilitou o encontro de indígenas e de diversos pesquisadores de todo mundo nas áreas de antropologia, medicina, psicologia entre outros.
Teve como prioridade dar a palavra a pessoas com experiência clinica, a projetos interculturais principalmente relacionados à saúde mental e que se atreva a tratar abertamente dos temas “tabu”. Buscou também falar sobre as potencialidades das medicinas tradicionais e também de suas possíveis limitações.
Foi uma grande possibilidade de promover a preservação e desenvolvimento das medicinas tradicionais, seus estudos, as condições de uso, fomentando uma articulação com a medicina ocidental e outros beneficio para os povos indígenas como para sociedade como um todo.
O congresso ficou dividido nos eixos temáticos:

- Política em saúde mental, interlocução das medicinas tradicionais.
Neste eixo realizei uma apresentação sobre os dilemas indígenas do Vale do Javari, suas angustias, os altíssimos casos de malaria e hepatite. Fazendo um contra ponto com sua maneira tradicional de perceber o conceito de saúde e doença e também apresentando como exemplo, a história de pós-contatos do povo Matis.

- Toxicomania e estados alterados de consciência.

- Saúde mental e povos indígenas.

-Medicina tradicional e psicoterapia.

-Investigação cientifica e interculturalidade.
Aqui neste tema pude aprofundar os conceitos de saúde e doença de alguns povos indígenas, onde o conceito de saúde que perpassa por estar e se manter saudável, bem disposto. Apresentei alguns projetos que desenvolvo com os Kayapo (povo indígena do Estado do Para, seus produtos e medicina da floresta) e o recente projeto sobre as plantas da farmacopéia Matis, onde pude sensibilizar os participantes para questões sobre o desrespeito que durante anos fez com que estes indígenas fossem se “esquecendo” de suas praticas, e criando cada vez mais uma dependência com relação aos medicamentos da sociedade envolvente. Pude, desta maneira apresentar o trabalho de pesquisa que apoio do jovem professor pesquisador Make Bush Matis, que junto a alguns velhos como, Tumi Preto e Tupa Matxon vem construindo um grande catalogo sobre seus métodos, plantas, e formas de tratamento.
O congresso ainda realizou uma serie de vivências sobre utilização de plantas e praticas de estados alterados de consciência.
Mas nem tudo foi, e ou esta uma maravilha (ate o fim desta edição a solução estava longe de ser encontrada) ao iniciar o congresso houve um grande conflito na cidade de Bágua, impossibilitando a chegada de alguns participantes que viriam por via terrestre.
O conflito (que aconteceu nuns sábado dia 6 de junho) ocorre, pois a concessão que o governo peruano vem realizando se sobrepõe aos territórios indígenas e ainda mais, a justificativa de tal mobilização indígena acontece, pois o governo vem fazendo uma serie de decretos legislativos que são verdadeiros atentados aos povos indígenas, beneficiando o Tratado de livre comercio e aos EUA, fazendo propostas nos temas florestais, de água, desapropriação de terras em beneficio das empresas transnacionais.
O pior de tudo é que em nenhum momento os povos indígenas foram consultados o que desrespeita a lei 169 OIT, que exige a consulta previa aos povos originários. Desta maneira essas leis deveriam ser revogadas o que não aconteceu.
É um verdadeiro movimento para o desaparecimento dos povos indígenas para que as transnacionais se utilizem dos “benefícios” como a mineração, exploração de Madeira, gás e petróleo.
A AIDSEP (Associação inter-étnica para o desenvolvimento da selva peruana), junto com outros movimentos e povos indígenas, mestiços organizaram o fechamento da estrada durante 56 dias, então o governo decretou Emergência em Bágua, o que o autoriza entre outras atrocidades a entrada da policia e de matar para manter a “ordem”. Criminalizando os protestos.
Segundo a versão do governo de Alan Garcia, seriam três indígenas e 24 policias, mas relatos de motoristas que passaram pos conflito pela estrada, seriam mais de 30 mortos que estariam expostos ao longo da beira da estrada, corre ainda mais informações que foram encontrados corpos em sacos plásticos ao longo do rio, mas essas são informações não oficias já que o governo controla as informações.
Mas mesmo assim a atrocidade cometida no dia 6 de junho já desencadeou a renuncia de ministros do governo.
O governo peruano por outro lado culpa o presidente da AIDSEP, O senhor Alberto Pizango de ser o responsável pelo distúrbio, este teve que se refugiar na embaixada da Nicarágua, e aguarda ate o momento a autorização para se manter em asilo político.
Muito ainda vai acontecer para se manter informado consulte http://www.servindi.org/ e http://www.aidesep.org.pe/
Pode parecer que não é nada para nos os Brasileiros, mas lembrem-se, é só mais um exemplo do fracasso da política da sensatez e do dialogo e de negociação como mecanismo de solução da diferença, é o triunfo da intolerância, prepotência, da balas e da morte, nem tanto distante dos massacres ocorridos na T.I. Raposa Serra do Sol, e em tantos outros rincões de nosso território que não chega aos meios de comunicação, fiquemos atentos.

Textos Rafael Pessoa - antropólogo
Fotos Rafael Pessôa e Ramiro Solsol Conde

Nenhum comentário:

Postar um comentário