sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Apontamentos sobre o feminino nas comunidades indígenas


Apontamentos sobre o feminino nas comunidades indígenas
Estimados leitores como matéria de fim de ano, desejando a todos um feliz ano novo de 2010, um ótimo natal, de compreensão harmonia e paz.
Nos últimos dias pude vivenciar algumas atividades na fronteiras realizadas na Universidade Nacional da Colômbia, UNAL, sede de Letícia com algumas organizações de mulheres indígenas dos povos da fronteira. Tikuna habitantes de ambos países, Uitoto, entre outros. Pudemos organizar a participação de duas indígenas Marubo também no Seminário mulher indígena, conflito e meio ambiente, que conduziu as reflexões problematizando gênero, a importância de realizar grupos de trabalhos sobre as questões das mulheres indígenas, o manejo do ambiente, com atividades didáticas produziu com as mulheres uma cartografia social da utilização dos espaços nos territórios e as questões da vida urbana indígena na Amazônia.
Foram narrados os conflitos de interesse entre o ‘domínio’ dos curacas, homens suas formas de atuação nas questões de defesa e garantia dos direitos e do território, da própria submissão das atividades e articulações femininas nesse contexto. As indígenas puderam estabelecer comparativos com a situação das diferentes nações na relação e ao contato com o Estado-nação falaram das perdas na barganha advinda deste contato.
As dificuldades enormes dos diálogos multi-étnico, com o problema da corrupção e burocracia nas ações de políticas publicas, dificuldade da compreensão dos diferentes olhares no contexto educacional, da saúde entre os povos originários e os ‘brancos’.
A herança do lixo, os aterros sanitários que buscam afastar dos olhos do plano urbanístico (ao menos nos próximos anos), entendendo que faz parte da idéia de estar mais organizado, porém mais desordenado. Não se planeja a ação para o bem estar coletivo, só quando for individualmente lucrativo, ou seja, só se organizara propostas como a coleta seletiva do lixo, a reutilização e reciclagem só serão aplicadas, quando for um mercado lucrativo, para isso temos que possibilitar o acúmulo de toneladas de matéria prima para um futuro empreendimento rentável.
As propostas e planos de vida indígenas para o futuro estão centralizados em perspectivas e patamares muitos distintos, as mulheres discursavam sobre a relação pessoal que mantém com o território, as chácaras, os dilemas que enfrentam, por exemplo, na Colômbia nos resguardos, que tem uma legislação, diga-se de passagem, distinta da que temos no Brasil, com as Terras indígenas, quilombos, Parques, Áreas de Proteção, Reservas Ambientais, Extrativistas, etc.
O Brasil por outro lado, tem dado ênfase ao conceito de tombamento tanto da cultura material, mas principalmente a imaterial os modos e forma de fazer e apreender o mundo. As questões ligadas à auto sustentabilidade, do território das praticas culturais mantém assim certo fantasma da extinção e suspeita de desaparecimento da sua língua, etnia e/ou tradição. É verdade que estas ações são uma importante ferramenta na luta pelo reconhecimento, mas é importante perceber que por trás dessas ações, pode camuflar uma nova ordenação da cultura dos povos originários, realizando releituras de aspectos rituais, cerimônias sobre a ótica de dança, folclore, ou ainda pior, artesanato, teatralização e souvenir para o mercado em expansão do turismo.
Muitas das questões nos territórios indígenas da Colômbia passam por questões estruturais como não ter água, luz, problema de saneamento básico e estruturais, grande parte de sua produção já são direcionadas ao mercado para aquisição de bens de consumo. Há ainda as vendas de partes das terras dos resguardos para ‘finqueiros’, fazendeiros para exploração e criação de gado ou mesmo para recomprá-las com financiamento e facilidades do governo.
Diferente por exemplo, da Terra Indígena Vale do Javari que sofre com problemas calamitosos na área de saúde, o não cumprimento das propostas do órgão publico que programa as ações em saúde e atendimento das enfermidades, não por falta de financiamento, muito mais pelo o que creio ser um dos grandes problemas da America Latina, a má utilização e aplicação dos recursos, que não são utilizados para o que foram destinados. Os diversos povos que vivem no Vale do Javari, e os muitos ainda ‘não contatados’ ainda salvos de estarem infectados pelos ‘prazeres luminosos’, fugazes da sociedade nacional envolvente, estão pouco inseridos no mercado socío-econômico-cultural, e vem estabelecendo aos poucos, projetos dentro de seus territórios, porem, fora algum artesanato e banana (excedente das roças) que esporadicamente levam para serem vendidos nas cidades (onde compram óleo, açúcar, e outros bens de primeira necessidade, do qual não são auto suficiente), mas estes índios não participam nem tem sua lógica de produção voltada para mercado mas sim, para o consumo dentro das próprias comunidades e famílias. Com os Tikuna não é assim tão diferente, foi interessante ouvir de Tikuna ‘colombianos’ sobre a origem comum do povo Magüta, no território (hoje Brasil) Eware, relativizando as fronteiras entre países e afirmando um tempo anterior de dinâmicas dos povos originários. As dinâmicas e tempos de ‘guerra’ entre Peru e Colômbia também foi lembrado.
Para concluir lembro o mito de Catxekwy, de povos Jê do Brasil central (Kayapo, Timbira, etc). Essa história remonta a época em que os índios comiam mel e apenas algumas espécies de plantas. Esses povos são matrilocais (a residência pertence à mulher, indo o homem ao casar habitar a residência da sogra) então os rapazes solteiros têm o costume de quando estão em idade para namorar vão dormir no centro da aldeia, no pátio, olhando as estrelas e a lua em suas enormes aldeias circulares.
Numa noite dessas um jovem foi surpreendido por uma rã que insistiu por algumas vezes em subir no seu peito, e quando irritado já estava por tomar uma atitude mais extremada, a rã falou com ele e de pronto se transformou numa linda mulher. Logo disse que havia visto ele lá do alto céu, de onde ela vinha. Disse que gostou dele e queria ficar com ele, mas advertiu que ninguém poderia saber de sua existência na aldeia, então ela a colocou numa cabaça (outras versões falam que ela se transformou em cabaça) e durante o dia o jovem olhava para cabaça com alegria e felicidade e toda a noite ela saia, aparecendo para ele e foram felizes ate um dia que uma das irmãs do jovem curiosa com a situação resolve ver a cabaça e descobre a mulher, Catxecwy.
Na noite ao encontrar o jovem indígena, Catxecwy relata tudo que aconteceu e diz que desta maneira terá que ir embora, ele reclama, chora e por fim aceita o destino de seu afeto.
Antes de voltar para o céu Catxecwy, ensina ao jovem indígena sobre os diversos alimentos comestíveis que até então eles desconheciam de seu território, despedisse e vira a estrela que para nós chamamos de Vênus.
O que deixo marcado aqui a importância do feminino indígena na educação, conhecimento, preservação e manutenção das praticas culturais e que mesmo sob forte ‘submissão’ ao mundo machista, criam leituras e apresentam outros caminhos e interpretações possíveis. A grande revolução esta na mudança de paradigma sobre os encaminhamentos de nosso futuro, as mulheres mesmo como diz na letra da canção de Jonh Lennon ‘woman is a nigger of the world’ tomando conhecimento de sua condição poderão apresentar propostas mais satisfatórias, interessantes aos dilemas e encruzilhadas que vivemos atualmente. Por fim minhas homenagens a um dos grandes mestres imortais da etnologia, Claude Lévi-Strauss que recentemente nos deixou.
Ate o próximo ano!

Fotos complementares dos indígenas Quechua e Urubu Kaapor